Entenda os fatores econômicos por trás das altas
A alta no preço dos alimentos no Brasil tem sido um dos temas mais sensíveis e recorrentes nas discussões econômicas recentes. Apesar de o país bater recordes de produção agrícola e exportações no agronegócio, o custo dos produtos base segue pressionando o orçamento das famílias brasileiras. Muitos fatores contribuem para esse paradoxo: da variação cambial e priorização das exportações até os impactos das condições climáticas, infraestrutura logística precária e a inflação generalizada. Por que o Brasil, uma das maiores fazendas do mundo, ainda enfrenta dificuldades para garantir comida acessível no prato da sua própria população?
Variações Cambiais
As variações cambiais, especialmente a valorização do dólar frente ao real, exercem um papel central na formação dos custos de produção agrícola no Brasil. Isso se deve à forte dependência do setor agropecuário por insumos importados, como fertilizantes, defensivos agrícolas e máquinas pesadas. Com o dólar em alta, esses produtos se tornam mais caros para os produtores brasileiros, o que eleva diretamente os custos da produção rural e, por consequência, os preços finais dos alimentos.
O Brasil é um dos maiores importadores de fertilizantes do mundo. Em algumas plantações, como a soja, o milho e a cana-de-açúcar, mais de 80% dos fertilizantes utilizados são importados e o impacto sobre os custos operacionais das lavouras é imediato. Muitos produtores acabam enfrentando uma difícil equação entre manter a produtividade e sustentar as margens de lucro.
Além dos fertilizantes, os maquinários agrícolas, como tratores, colheitadeiras e sistemas de irrigação, também entram na conta das importações dolarizadas. Isso significa que, mesmo que o produtor não esteja comprando insumos diretamente do exterior, o efeito do câmbio já está embutido no preço pago aos fornecedores nacionais, que dependem de peças e componentes vindos de fora.
Exportações: Ganhar menos, porém em Dólar
Com o aumento dos custos de produção no campo, os produtores brasileiros têm buscado alternativas para manter a rentabilidade. A mais comum? Priorizar as exportações, onde as vendas são feitas em dólar, uma moeda mais valorizada em relação ao real.
Mesmo que os preços internacionais estejam mais baixos, a conversão cambial favorece a exportação. Isso torna mais atrativo vender para fora do país do que abastecer o mercado interno.
Cenário atual das exportações agrícolas
De acordo com dados do Agro Estadão, em 2024:
As exportações do agronegócio somaram US$164,4 bilhões.
Isso representa cerca de 49% de todas as exportações brasileiras.
Apesar de uma leve queda de 1,3% em relação a 2023, esse foi o segundo maior valor desde 1997.
O principal destino desses produtos continua sendo a China, seguida por países da União Europeia e os Estados Unidos.
Efeitos diretos no mercado interno
A consequência desse movimento é clara: menos alimentos disponíveis no mercado nacional. Com menor oferta e demanda estável, os preços sobem. Esse cenário foi reforçado pela desvalorização do real, que tornou o mercado interno menos atrativo para os produtores.
Em 2024, o IPCA (índice oficial de inflação) ultrapassou a meta do governo, e os alimentos foram os principais vilões. Destaque para as carnes, que registraram a maior alta desde 2019.
Exemplos práticos disso podem ser observados em datas sazonais. No fim de 2024, alimentos tradicionalmente importados e consumidos nas festas de fim de ano, como azeite, bacalhau, frutas secas e nozes, apresentaram aumentos de até 10% em apenas uma semana. A justificativa, segundo especialistas, foi a valorização cambial somada à baixa oferta no mercado interno.
A lógica da união do produtor com o Dólar
Mesmo em anos de safras abundantes, a lógica da exportação ainda prevalece. Um produtor pode vender sua saca de soja, milho ou café por um preço mais baixo do que no ano anterior, mas, ao receber em dólar, a conversão garante um ganho real maior.
Por isso, alimentos do dia a dia, como ovos e café, também encarecem para o consumidor. Um exemplo: a cartela de ovos, que há poucos meses custava R$10,00 passou a ser vendida por mais de R$15,00. O mesmo ocorre com o café, item presente na maioria dos lares brasileiros.
O agro sustenta o PIB, Mas não garante o prato cheio
O agronegócio representa a principal base do PIB brasileiro. Em 2024, os maiores volumes de exportação envolveram produtos como soja, carnes, celulose, açúcar, café e petróleo, todos ligados ao setor primário.
Porém, esse desempenho não garante que os alimentos estejam acessíveis para o consumidor. Produzimos muito, mas consumimos caro, justamente porque vendemos mais para fora do que deixamos para dentro.
Condições Climáticas Adversas
O clima tem impactado significativamente a agricultura brasileira, afetando a produtividade e trazendo instabilidade para a safra dos alimentos.
Estudos indicam que o aumento da temperatura e a deficiência hídrica têm reflexos diretos na produção de biomassa e grãos, intensificando os desafios enfrentados pela agricultura brasileira.
El Niño e La Niña: Definição e Efeitos na Agricultura
El Niño e La Niña são fenômenos climáticos que alteram os padrões de temperatura e precipitação em diversas regiões do mundo, incluindo o Brasil. O El Niño caracteriza-se pelo aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico Equatorial, enquanto a La Niña refere-se ao resfriamento dessas águas.
Impactos Regionais no Brasil
El Niño:
No Sul do Brasil, pode provocar aumento das chuvas, elevando o risco de enchentes que afetam plantações como arroz e soja.
No Nordeste, está associado a períodos de seca, prejudicando a produção de milho e feijão.
La Niña:
No Sul, tende a reduzir as precipitações, causando estiagens que afetam negativamente a agricultura.
No Norte e Nordeste, pode aumentar as chuvas, beneficiando algumas plantações, mas também elevando o risco de doenças fúngicas devido à umidade excessiva.
Infraestrutura e Logística
A infraestrutura e a logística desempenham um papel crucial na formação dos preços dos alimentos no Brasil. Deficiências nesses setores aumentam os custos de distribuição, impactando diretamente o consumidor final.
O Brasil depende majoritariamente do transporte rodoviário para o escoamento de suas mercadorias. Essa dependência eleva os custos logísticos, que correspondem a 10,6% do PIB nacional, valor superior ao registrado em países como os Estados Unidos.
A precariedade das rodovias brasileiras resulta em gastos adicionais com manutenção de veículos, atrasos nas entregas e aumento no consumo de combustíveis. Esses fatores elevam os custos operacionais das empresas, refletindo-se nos preços dos alimentos.
A concentração no modal rodoviário evidencia a necessidade de diversificar a matriz logística brasileira. Ampliar o uso de ferrovias e da cabotagem é essencial para reduzir custos e aumentar a competitividade econômica do país.
Inflação geral
A inflação é um indicador econômico que mede a variação média dos preços de bens e serviços em um determinado período. No Brasil, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é o principal medidor oficial dessa variação.
Em 2024, o IPCA acumulou uma alta de 4,83%, ultrapassando o teto da meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que era de 3% com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual, ou seja, até 4,5%.
O grupo "Alimentação e Bebidas" teve um papel significativo nesse aumento. Os preços desses itens foram responsáveis por mais de um terço da alta do IPCA em 2024, com impacto de 1,63 ponto percentual no índice geral.
A elevação dos preços dos alimentos afeta diretamente o poder de compra das famílias, especialmente aquelas de baixa renda, que destinam uma parcela maior de seu orçamento para itens essenciais. Produtos básicos, como carnes, registraram aumentos expressivos, pressionando o orçamento doméstico.
Medidas governamentais: Solução ou “Maquiagem”?
Em meio ao aumento dos preços, o governo discute medidas para retirar os alimentos e a energia do cálculo oficial da inflação. A proposta, liderada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, busca "segurar" a inflação nos dados oficiais. Isso pode gerar uma falsa sensação de baixa inflação nos bolsos dos consumidores, mas, na prática, nada mais é do que uma medida para maquiar os indicadores, sem enfrentar os fatores estruturais.
Para concluir, o aumento no preço dos alimentos no Brasil é resultado de um conjunto de fatores interligados: a valorização do dólar, que encarece os insumos agrícolas; a priorização das exportações, que reduz a oferta interna; os efeitos das mudanças climáticas, que comprometem a produtividade no campo; a precariedade da infraestrutura logística, que eleva os custos de distribuição; e uma alta inflação persistente.
Mesmo com safras recordes e protagonismo no comércio internacional, o Brasil ainda enfrenta o desafio de garantir alimentos acessíveis para sua própria população. Isso evidencia a urgência de políticas públicas que incentivem o equilíbrio entre competitividade externa e abastecimento interno, com foco em eficiência logística, regulação inteligente e estímulo à produção voltada ao mercado nacional.
Produzimos muito, mas ainda consumimos caro. E mudar esse cenário é essencial para garantir não só estabilidade econômica, mas também dignidade e acessibildade alimentar para milhões de brasileiros.